terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Ana


_ Ana- ele disse, e a palavra ecoou pelo cômodo vazio e pareceu transportá-lo pra fora de suas memórias. Virou-se, olhou para a parede onde antigamente ficava uma prateleira com as fotos de suas viagens.
Não sabia ao certo, se fizera bem indo até lá, a casa era a mesma, o mesmo papel de parede, o mesmo carpete, os espelhos dos banheiros, os aparadores, os lustres, inclusive as declarações de amor escritas por toda parede do quarto de hóspedes. Lembrou-se que todas as vezes que entrava naquele quarto havia um novo poema feito pra ele rabiscado na parede.
Ele apenas havia espiado pela porta, não teve coragem de entrar, muito menos de ler aquelas palavras, existia tanto dela naquele quarto que só de passar pelo corredor era possível sentir seu cheiro.
Entrou, e no meio de tantos Shakespeares e Pablos Neruda, caiu ajoelhado no tapete, pensou que antes Ana tivesse morrido, assim ele teria de se conformar com sua partida, e não passaria os dias se alimentando de lembranças e sobrevivendo de recordações.
_ Ana – sussurrou.
Agora as lágrimas rolavam livremente pelo seu rosto.
Se não tivesse sido tão cruel e estúpido no passado, talvez, eles ainda vivessem ali, e talvez eles tivessem mais prateleiras com fotos de mais viagens, e talvez todas as paredes da casa estariam preenchidas com poemas e declarações.
Já fazia tanto tempo, trinta anos na próxima quarta, trinta anos que ele sentia um peso, era como se carregasse outro corpo, era como se ele tivesse de se arrastar e fazer uma força incrível pra mover-se apenas o mínimo, trinta anos de arrependimento.
Com o passar dos anos, percebera que quando mais velho você fica, mais as coisas se partem, não tinha medo de morrer sozinho, pois já vivia assim, tinha medo de morrer sem que Ana soubesse tudo o que ele guardava, sem que ela soubesse de todas as visitas a casa antiga, de todas as lágrimas derramadas, de todos os boleros ouvidos de madrugada. Mas em seu âmago, tinha plena certeza de que nada adiantaria se ela soubesse, um pedido de desculpas com trinta anos de atraso não tem lá muito poder atrativo.
_ Ana - ele disse em abandono.
Mas seu nome estava morto no ar, e ela nunca iria ouvi-lo, Ana não era mais nada além de um nome.

2 comentários:

  1. O auge da arte vem com os sentimentos, principalmente os melancolicos, logo os jah vividos.

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  2. Você NÃO PODE parar de escrever, nunca. Pois o seu modo de fazê-lo tem se tornado ainda mais atraente, a cada dia.

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